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domingo, 23 de maio de 2010
Demorei a saber o porquê do desencanto com Milton Hatoum. Um desencanto paulatino, como se o fato de ter "descoberto" esse escritor desde o seu primeiro livro me fizesse protelar o seu enterro simbólico. Simbólico, claro, pois como me lembrou um amigo, há tempos a crítica o elegeu um "grande escritor". E uma vez dado o título, dada a preguiça e o compadrismo da crítica tupiniquim, impossível destronar a majestade.
A cidade ilhada, seu último livro, a meu ver, não chega mesmo a ser mediano. Talvez a publicação seja por razões contratuais, afinal é a reunião de contos escritos em ocasiões diversas, o que me leva a pensar nos malefícios da profissionalização do escritor, mas não é por aí que quero me enveredar. Há livros maravilhosos escritos em situações adversas (lembrar de Dostoiévski é apenas o exemplo mais fácil). Não falta unidade no livro de Hatoum. Talvez o problema seja justamente este. Composto por 14 contos, o que vemos é um painel de personagens que transitam em ambientes bem demarcados; porém, enquanto a ambientação é primorosa, as personagens não têm densidade psicológica, beirando à caricatura: é um velho contador de histórias competindo com a televisão, um velho japonês que por ter dado um passeio de barco com uma professora quer que ela jogue as suas cinzas no rio Amazonas, é um pesquisador que no estrangeiro descobre uma carta de Euclides da Cunha - os enredos são frágeis, sem uma problematização que justifique as suas existências.
E reside aí a minha decepção: Hatoum escolheu a ambientação em vez da construção das personagens. Sua escolha recai sobre uma Manaus do passado, que, segundo seus enredos óbvios, deve ser historicizada para não cair no esquecimento. É uma nostalgia que tenta retratar uma aura que provavelmente nunca existiu. Quem leu Relato de um certo oriente ou Dois irmãos, seus dois primeiros livros, sente o uso forçado de algumas palavras que servem tão-somente para demarcar o ambiente: palavras do cotidiano deste outro lugar, desta outra gente - região típica à margem. Ou seja: ele trocou a literatura pela ideia de cultura e com isso fez uma péssima escolha. Já não me convence mais.
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1 comentários:
Foi exatamente isso que eu pensei. Chega a ser irritante a necessidade que ele tem de citar o ambiente, e recorrer sempre a Manaus. Já li "Dois Irmãos" e até gostei, mas "A cidade ilhada" me veio como uma confirmação de eu eu posso apenas gostar do Hatoum, quem sabe num próximo livro ela consiga me envolver mais. Enfim, gostei da crítica. Beijos!
5 de janeiro de 2013 às 12:00Postar um comentário